O consumo é um fenômeno que cresce a cada dia, fruto de uma nova sociedade relacional, que vê na mercadoria objeto de prazer e hedonismo. Alguns filósofos e sociólogos já viam no consumo, sobretudo da moda, um símbolo da distinção entre classes sociais, ou estamentos, como prefere Simmel. Porém, na sociedade pós-moderna que vem se configurando a partir da 2ª metade do século XX e, sobretudo, no século XXI, surge um novo elemento que muda o panorama do consumo, principalmente dos bens culturais e da moda de luxo: a pirataria, ou seja, falsificação de produtos. Com a pirataria novas discussões são incorporadas às ciências humanas, afinal ela pode ser vista de duas maneiras: como exclusão, mas também como uma forma de democratizar os bens de consumo, portanto, como inclusão social.
As diversas teorias sobre consumo não dão conta de explicar este fenômeno que não só cresce, mas se modifica diariamente. Se existe de um lado Lipovetsky dizendo que as pessoas consomem para ter prazer, sentirem-se bem consigo mesmas, e aí entra o consumo do produto pirata de luxo que dá um falso sentimento de alegria, pertencimento, sensação de posse, de outro lado vemos teóricos como Baudrillar e Bauman que vêem um lugar de destaque da mercadoria na visa das pessoas, e como fetiche que ela é, ocupa um lugar central na vida das pessoas, portanto todos querem tê-las independente dos meios ou das formas.
Pode-se afirmar que a pirataria como um comportamento generalizado, está situada na confluência de dois mundos: o mundo das relações econômicas e o mundo do simbólico, do desejo. Estes dois mundos estão intimamente ligados ao mundo do consumo. Não sendo o homem um animal em estado puro, dono de um corpo que deve apenas ser alimentado, abrigado das intempéries, reprodutor da espécie, caminhante em busca da sobrevivência (BAUDRILLARD, 1995), mas um ser colocado no mundo para transformá-lo, num processo chamado de cultura, fica patente que este animal se movimenta numa rede de signos. Para exemplificar, tem-se a moda como um indicador desta rede. Vestir uma roupa, usar um relógio, adornar-se com um lenço, dirigir um automóvel, nos transforma e nos caracteriza como um ente de desejos e de utopias (THOMAS, 2008;).
A moda transcende em muito o sobreviver apenas. Os seis milhões de automóveis que circulam pelas ruas da cidade de São Paulo não levam seus condutores somente ao trabalho e ao lazer. Eles são símbolos de alguma coisa maior, mais profunda, que identifica seu proprietário, isto é, a marca, a grife.
Neste universo de consumo em série, como admirar o estimulo dos indivíduos de querer este título de sócios, de proprietários? Não existe uma satisfação em apenas observar as classes de maior poder aquisitivo desfilar suas marcas de roupas, sapatos, jóias, bolsas, celulares. Os “fora do grupo” também desejam participar do banquete das obras de arte, das músicas, dos filmes e de tudo que desperta nossos sentidos (SIMMEL, 1998). Deste modo, a pirataria também aponta para um problema cada vez mais discutido: o que é inclusão, o que é exclusão?
É neste aspecto que a pirataria não pode ser compreendida apenas como uma necessidade de consumo, mas deve ser colocado também no cenário da injustiça social, na injusta divisão de riqueza no interior das sociedades. Com efeito, a perversa concentração de renda na mão de minorias é um estimulo à pirataria, e, portanto à inclusão social de um grande número de pessoas. Ao lado disso, a pesada carga tributária que atinge até mesmo rendas mínimas é um convite à imitação do produto e marcas.
É possível que se o Estado renunciasse a arrecadar acima de tudo e o dinheiro circulasse com mais desenvoltura, a tentação de cair na marginalidade econômica fosse menor. A cada compra de um produto pirateado o consumidor parece querer dizer: “também quero participar desta festa, pois tenho direito ao bolo, tenho direito ao que me dizem que é bonito e bom” seguindo a máxima imposta pelo universo do consumo de grandes marcas para quem não é necessário apenas consumir, mas consumir conspicuamente segundo Veblen (1974).
Visto assim, piratear é incluir, é de alguma forma participar do consumo universal. Pode-se também afirmar que a pirataria é uma ação intimamente relacionada com a questão do desemprego, em todas as partes do mundo, notadamente em países de economia frágeis (THOMAS, 2008).
Grande parte das populações de economias debilitadas encontrou na imitação e na reprodução de produtos e serviços a única forma de sobreviver, seja como produtores, seja como consumidores. Como consumidor, ostentar um “símbolo” de riqueza, luxo, poder e sucesso, ainda que pirateado, tem o efeito de sentir-se incluídos, de demonstrar força e presença.