terça-feira, 15 de janeiro de 2008



“Tô te explicando pra te confudir
Tô confundindo pra te esclarecer”

Baseado nos livros A República (Platão) e Assim falou Zaratustra (Nietzsche), desenvolvi uma coleção de 20 modelos de roupas de alta costura.

Primeiramente gostaria de esclarecer que esse não é um trabalho acadêmico, não só pela ausência de método, mas, sobretudo, por ser um trabalho estético e experimental voltado para reflexão, estimulando a discussão sobre o tema abordado.
Portanto, um trabalho apenas introdutório e instigador, um verdadeiro laboratório e intercâmbio de idéias, cujo desenvolvimento e conclusão serão atingidos por meio de informações trocadas com grupos interessados em discuti-lo; a estilista nesse caso aparece no papel de mediadora. Vale salientar que a parte estética (desenhos da coleção) é a única etapa que já está completamente definida, faltando apenas o cenário de apresentação.

Segue abaixo o texto de apresentação.

A República do Eterno Retorno
Por Fabíola Pedrosa

“Batendo no peito, censurou o seu coração, agüenta coração que já sofreste bem pior” *

Durante milênios o homem se desfez do próprio homem e de seu poder de valorização do mundo. Com o eterno retorno do mesmo, ele se vê completamente perdido em seu próprio meio. Seus hábitos, valores e inquietações encontram-se completamente dispersos em meio a um aglomerado de idéias impostas por uma minoria.
Será que um dia vai existir alguém verdadeiramente aberto e que esteja disposto a mudar essa idéia de eterno retorno?! “Antes quero ser um estilista do que um turbilhão de vingança!” **

É óbvio que existe o medo do novo, tudo está tão caoticamente em seu lugar, que se tirarmos uma peça, tudo vai cair ao redor e, nos parece mais fácil seguir um modelo e muito mais cômodo ter alguém em quem se projetar, do contrário, precisaríamos de muita coragem, e não a temos. A dor que carregamos no peito é justamente a dor desse aprisionamento. Existe um conceito individual de justiça a ser explorado e aperfeiçoado, para que possamos ativar o nosso potencial de ação, começando a agir externamente em contraposição ao que nos foi ensinado. E o mundo precisa de ação e não somente de idéias, senão, com o passar do tempo, sentiremos uma dor tão insuportável que atingirá o mais fundo de nossa alma, e quão profunda será essa dor!

“O criador procura companheiros, não procura cadáveres, rebanhos, nem crentes; procura colaboradores que inscrevam valores novos ou tábuas novas”.
“Que ninguém ama de todo o coração senão o seu filho e a sua obra; e onde há um grande amor de si mesmo, é sinal de fecundidade; eis o que tenho notado”. Nietzsche
*Odisséia- Homero** Assim Falou Zaratustra-NietzscheEsse trabaho é resultado da disciplina(História da Filosofia Antiga) de pós graduação da USP.


MUCCA Mudança com conhecimento, cinema e arte


Zona Sul de São Paulo, Campo Limpo, bairro da periferia, segundo semestre de 2003. A Associação Cultural Kinoforum promove uma oficina de cinema com jovens da região interessados em cinema e com muita vontade de aprender e agir. Terminada a oficina, alguns desses jovens partem para a ação. Depois de produzirem seu primeiro curta “Debate sobre o ECA com os jovens em Brasilândia”, juntam-se para fundar o MUCCA (Mudança com Conhecimento Cinema e Arte). Ao contrário de boa parte dos jovens que escolhem o cinema como área de atuação, o pessoal do MUCCA não tem na produção o seu objetivo principal.

Desde o início de suas atividades, no primeiro semestre de 2004, focaram esforços na projeção de filmes para a comunidade. Utilizando o espaço da Casa dos Meninos – ONG que atua no Campo Limpo na área de educação e cultura – e divulgando as sessões comunidade afora, nesse ano e meio de atividades conseguiram atrair um público de mais de mil pessoas para uma programação exclusivamente de filmes nacionais como “Pixote, a lei do mais fraco”, “Bicho de Sete Cabeças” e “Cidade de Deus”; programação decidida democraticamente pelos dez organizadores (entre 17 e 23 anos) do MUCCA. “É preciso que pessoas que não têm R$ 10,00 para pagar ingresso tenham contato com suas questões, sua cultura”, dizem. “E que possam conversar sobre elas ao final da exibição.” Debates são realizados depois das sessões. “Muitas vezes, nem precisamos estimular. Mal acabam de ser exibidos os créditos e o público já começa a falar”, relata um dos organizadores. Esse contato do cinema com a comunidade, promovido pela moçada do MUCCA, está em processo de crescimento.

Desde o início de 2005, promovem exibições quinzenais na Casa dos Meninos e para por em prática a idéia de “levar o cinema para a comunidade sem experiência cinematográfica” já começaram a armar exibições itinerantes. O que foi uma experiência bem sucedida de exibição ao ar livre numa favela da região vai se transformar em ação planejada no segundo semestre deste ano, com exibições em outras favelas e centros comunitários da Zona Sul.

Na verdade, esse não é um movimento de mão única. A relevância dessa atividade junto à população afastada espacial e socialmente dos reluzentes sistemas multiplex com seus ingressos caríssimos é tão evidente que muitos têm procurado o MUCCA, solicitando exibições e debates em suas comunidades. Agora, as sessões começam a tomar outra consistência, sendo organizadas por temas, o que possibilita aprofundar os debates e a reflexão dos organizadores e da platéia. O primeiro tema escolhido é “A influência da mídia na sociedade”, com exibição de filmes aos sábados, às 19h00 e pipoca grátis. Começa, também, a haver um intercâmbio entre o MUCCA e outros movimentos que trabalham com cinema em outras periferias de São Paulo. E, se não bastasse tudo isso, o MUCCA ainda tem, em andamento, projetos de realização de dois filmes. Um que pretende discutir as relações de trabalho que afligem e, por que não dizer, oprimem a grande massa dos habitantes de nossa cidade, e outro sobre os movimentos de cinema que atuam na periferia paulistana. Numa primeira mirada, poderíamos concluir que se trata de um grupo de jovens cinéfilos que querem popularizar o cinema na periferia. Não é isso, ou melhor, não é apenas isso. Trata-se de pessoas que querem algo muito maior, mais ambicioso e ainda mais legítimo: querem mudar o mundo! Para surpresa de muitos – e, em especial, daqueles que trabalham com estudantes universitários Brasil afora – essa intenção ainda existe naqueles próximos dos vinte anos de idade.

Os jovens do MUCCA querem intervir junto aos bolsões de exclusão social. Querem promover o questionamento e a reflexão justamente onde os problemas se mostram mais doídos. Não querem “virar Walter Salles”, como eles mesmos dizem, querem promover a mudança “estando bem no meio do problema”. E acreditam que o cinema é um dos instrumentos para isso. Munidos dessa intenção e dessa crença foram para a trincheira, estão na luta. Eles estão abrindo um caminho, quase invisíveis e, como eles, outros grupos espalhados por esta mega cidade também estão.

E nós, os acadêmicos das salas de aula, dos simpósios, das teorizações cinematográficas, o que fazemos para participar dessa caminhada? Certamente ainda muito pouco. Tanto do que aprendemos e desenvolvemos em anos de reflexão e prática na vida acadêmica – muitas vezes percorrida em instituições públicas – pode ser de enorme interesse e real serventia para esses jovens da linha de frente. E eles, com certeza – por mais chavão que isso possa parecer – têm muito a nos ensinar. A primeira lição eu já aprendi: A luta não acabou. A batalha não está perdida. É preciso continuar. O MUCCA é prova disso.


Mauricio R. Gonçalves: Doutor em Comunicação e Cinema pela Universidade de São Paulo, Secretário da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (Socine) e professor dos cursos de Comunicação do Centro Universitário Belas Artes, Universidade Anhembi Morumbi e Universidade de Sorocaba.